“Contabilidade criativa” de Mantega esconde meio trilhão de reais em dívidas e gastos do Governo

Fazenda fez manobras fiscais para alcançar meta de superávit; Valor é equivalente ao PIB da Finlândia

São Paulo - Imagine um gastador contumaz que decide mudar de vida. A partir de agora, ele vai poupar boa parte do que ganha até equilibrar suas contas. Para facilitar seu esforço de austeridade, porém, ele prefere não contabilizar como dívida as prestações de um apartamento na praia. Por outro lado, resolve contar como poupança os futuros dividendos de ações que acaba de comprar. Ou seja, seu impulso de gastador continua lá — mas ele tenta se convencer de que sua situação não é tão ruim assim. De maneira simplificada, é isso que o governo tem feito para cumprir a meta do superávit primário, a economia de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.

Desde 2009, parte das dívidas, dos gastos e das receitas não é registrada adequadamente. O mercado apelidou os subterfúgios de “contabilidade criativa”. A consultoria econômica Tendências calculou os valores envolvidos nas manobras e mostra que seria melhor chamar a estratégia de “contabilidade destrutiva”. Em quatro anos, 48 bilhões de reais em receitas futuras foram incluídos no cálculo do superávit. Ou seja, dinheiro que ainda não existe foi contado como recebido. Outros 63 bilhões, de recursos empregados no Programa de Aceleração do Crescimento, foram somados à economia. E ficaram de fora dívidas de 479 bilhões de reais — o equivalente ao PIB da Finlândia — em repasses do Tesouro Nacional a bancos públicos, em especial ao BNDES.

Somando o que não entrou na conta (mas deveria) e o que foi incluído (e não deveria), o governo inflou sua economia em 590 bilhões de reais de 2009 a 2012. No papel, as metas de superávit foram cumpridas. Na vida real, a história foi bem diferente. “O governo acredita que a contabilidade criativa é a saída para ter recursos, investir e fazer o país crescer”, diz Felipe Salto, economista da Tendências responsável pelo levantamento. “Mas ela não gera crescimento, prejudica a política fiscal, deteriora as contas públicas e coloca em descrédito as regras que deram credibilidade ao país.”

A dívida brasileira é o tema central da discussão. Muitos economistas que defendem o Estado como indutor do crescimento alegam que o governo agora pode poupar menos porque a dívida pública é baixa. “Não é verdade”, diz Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Nossa dívida, além de cara, é alta para o atual padrão dos emergentes.”

Pelos critérios do Fundo Monetário Internacional, a dívida pública bruta do Brasil equivale a 69% do PIB — acima da de países como México (44%), Colômbia (33%), Peru (20%) e Chile (11%). A contabilidade criativa agrava o problema: cobre débitos de bilhões com o manto da invisibilidade. O quase meio trilhão de reais transferido do Tesouro para os bancos federais veio da emissão de títulos públicos. No futuro, o Brasil terá de resgatá-los e remunerar os investidores, pagando o juro prometido.

Frouxidão fiscal

Não há sinal de que o governo pretenda ser mais austero. Ao contrário. A recente saída de Nelson Barbosa da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda indica que a frouxidão fiscal pode aumentar. Barbosa não era um entusiasta das contas criativas. O defensor delas é Arno Augustin, o secretário do Tesouro. Com a saída de um, a posição do outro tende a se fortalecer. Augustin já reafirmou que a prioridade agora é gerar crescimento — e não economizar para pagar juro de dívida. Nem a presidente Dilma Rous­seff­ nem o ministro Guido Mantega, da Fazenda, explicaram como fica a política fiscal.

O governo discute a criação de uma banda de 0,9% a 3,1% do PIB para a meta do superávit. Até o fechamento desta reportagem, em 17 de maio, ainda não havia sido tomada uma decisão a respeito. A conta invisível, enquanto isso, continua aumentando. Pela estimativa da Tendências, os repasses do Tesouro a bancos públicos vão crescer 22% neste ano e chegar a 585 bilhões de reais. Uma Finlândia já sumiu das contas públicas brasileiras. E vem mais por aí.

Matéria do portal Exame

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